quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Ficar do Verbo Ser




Ficar em casa é coisa que o tempo, o dia e o padrão não nos deixam mais fazer. Essa coisa de só ficar em casa. Por ficar em casa. Só por ficar. Ouvir Beatles na sala, cantar na frente do espelho do quarto, dar estalinhos de dedos na cozinha. Abrir a geladeira pra refrescar as idéias. Beber água gelada sem gosto estranho de lugares estranhos. Sentar e levantar só por deitar e espreguiçar. Manter os olhos fechados o quanto e quando quiser. Vestir aquelas roupas que o padrão não deixa e que são tão agradáveis. Desobedecer o padrão e o dia-a-dia. E saborear a desobediência. Mastigar devagar e engolir outro prato além de sapo. Não precisar engolir goela abaixo porque as coisas estão leves. Andar com leveza, sem pressa e quase flutuar. Pisar onde quiser. Sentir a frieza do chão da varanda e a quentura do chão da cozinha. Abrir as embalagens, os espelhos, as janelas, os braços pra espiar por fora e por dentro. Ouvir o barulho de fora e ficar feliz por estar lá longe. Ouvir o barulho de dentro e chegar mais perto. Pra reconhecer. Pra conhecer. Porque minha casa fica dentro de mim.

terça-feira, 19 de agosto de 2008

Abobalipse

www.orlandeli.com.br



Em tempo, o fim do mundo podia ser logo aqui:

No tempo em que minhas lágrimas pingavam como meias molhadas que insistem em não secar e, ainda assim, são postas pra dentro da mala (meia torcida, meio distorcida).

No tempo em que a saudade me fitava de longe com um olhar obsceno, uma cara de quem ia me pegar de jeito e me deixou com medo (foi o jeito...).

No tempo em que meu celular gritou palavras de carinho e consolo. Palavras de outros. Outros carinhos.

No tempo em que eu segurava com desespero os ponteiros do relógio enquanto as horas eram escarreiradas, o dia se despedia esbaforido e a noite já vinha a me cutucar os ombros.

No tempo em que o diálogo não era porque estava nervoso demais para ser. E não concluía, pois já estava no fim.

No tempo em que planos, horas, dias, risos e choros foram separados em dois e encarcerados numa mala vermelha que era pesada demais, já que se levava nas costas um mundo partido no meio.

No tempo em que, diga-se de passagem, meio mundo ia pra longe.

Na noite em que os pingos caíam agudos e crônicos dos olhos e dos céus.

No dia que podia ser o fim do mundo.

E que o mundo é o fim!

Mas, enfim, não podia!

Afinal, era, apenas, o fim de um dia de segunda-feira...



segunda-feira, 11 de agosto de 2008

Sede de sangue

Ou, ainda, enquanto a menstruação não vem...
(Leia-se TPM! Leia-me TPM!)






Poema ulcerado


Estive, aqui, a pensar se escrevo

E vi-me a rir e a perguntar se me leria

Similar, já sei que sou

E sei que sempre o seria


Pois tenho úlcera do mesmo de sempre

Busco ecos do que me faz gosto

Ou será que rumino feridas

Que encontro em meu corpo, caídas,

Com as marcas do amargo, então, posto?


Ou será um dedo na ferida marcada

Casca aberta e estancada

Líquida e sóbria?

Chega de tudo!

Chaga de nada!


Esse tempo é repetido

Faz meu ego distraído

Faz de prego a minha andada


Cravo na carne o caminho

Esmago vestígios de indício

Prezo a manutenção do que foi

Transformo em desejo mesquinho,

Mantenho a vertigem e o vício


Faço ensaios curativos

Abuso de toda casca superficial

Abuso de mundo, enjôo de vento

Aborreço tumor, tachado, sangrento

Me viro de tacho e vomito o final.


quinta-feira, 7 de agosto de 2008

Um fim aos começos




Não! Isso não é um começo!

Sim! Preferi não-começar as coisas com um não-começo. Nada mais natural, afinal, não saberia definir por qual começo deveria começar. O começo de mim? O começo do Universo? O começo dos sonhos? Dos astros? Dos deuses? Dos mitos? Seria o começo um pré-requisito pra existência? Então, algo que não começou não pode existir? Como pode? Quando pode? Quanto? Quanto aos sonhos? Qual o começo de um sonho? Quanto aos deuses? Qual o começo de um deus? Quanto às vidas? Qual o começo de uma vida?

Olha quantas!

Pra mim, esse moço chamado "começo" não existe, de fato! Já eu, talvez exista. Posso existir, até mesmo antes do momento que a senhora minha mãe passou a sonhar com o seu primogênito. O que ela não imaginou foi que o "ser primeiro" do seu ventre teria a ousadia de deixar expostas e escondidas, em rede pública, suas pessoas, suas vidas, seus não-começos, seus fins, suas idéias, a falta delas, os sonhos, as paranóias, as belezas, as fraquezas, as feiúras, seus fragmentos, suas completudes, suas ordens, desordens, desistências, persistências e reticências...

Por fim, eu (a primogênita, as primeira pessoas) posso também, ser um sonho que nunca começou...

Portanto, o melhor a fazer é esquecer os começos.

E que venham os meios, já que os fins os justificam!


*Figura retirada de qualquer site sem qualquer permissão